Maman antecipou em nove dias o tradicional almoço de Natal. Relembrando a tradição que acontecia todos os anos na casa da sogra que a acolheu como filha, a Vó Nair, reuniu todos os tios, tias, primos, primas, maridos, esposas e os bisnetinhos que a vó não chegou a conhecer. Foi um dia especial que acompanhei de longe, mas cujos detalhes do antes-durante-depois todos fizeram questão de me contar. Maman estava especialmente inspirada nesse dia, até discurso fez! Divido aqui com o Leitor e... [+]
Em parte por mania, em parte por ter sentido as restrições da Guerra (ainda que de longe, embora fortemente no coração) Vó Nair nunca foi dada a desperdícios na cozinha, nem grandes arroubos de consumo… A casa era repleta de objetos-que-no-futuro-poderiam-quem-sabe-ter-alguma-serventia. Era um tal de tampinha de pasta de dentes, potes de margarina já sem a tinta do rótulo e amolecidos pelo tempo, latas de conserva que viravam recipientes para cozinhar ovos duros, panelas com remendos nos cabos e até mesmo furadas, feixes... [+]
Babbo toca violão muito bem. Autodidata e eclético até não mais poder, vai de pérolas do cancioneiro popular ao rock inglês, passando pelas melodias francesas dos anos dourados, pela bossa nova e pela Arca de Noé de Vinícius. Embora eu tivesse o disco, preferia as interpretações do Babbo para o pato pateta, o leão-leão-leão-és-o-rei-da-criação… Datam dessa mesma época minhas primeiras experiências na cozinha da vó Dinah e nas performances musicais. Com quatro anos, a vó me deixava brincar com a massa de macarrão e ser... [+]
Minha cunhada Joice não precisaria ter nenhum talento. Bastaria-lhe para derramar-me em elogios rasgados o fato de ser mãe de meu espetáculo de sobrinho. Mas a Joice é ainda cheia de prendas e talentos e condões. Um deles é o de fazer bolinhos inesquecíveis, como esse da foto que tem nome original pouco digno de seu poder: Segredo Escuro. De posse da receita da Joice – que nisso ela também é querida, passa as receitas tal e qual, bem explicadinhas e... [+]
Véspera de aniversário significava um dia inteiro na companhia das tias, avós e tias-avós a preparar a comilança. As tarefas eram distribuídas de acordo com o talento de cada uma: havia as que preferiam os salgados e as que brilhavam na feitura dos doces. E era na praça dos doces que as meninas ajudavam. Nossas mãos pequeninas eram com freqüência recrutadas para separar as teimosas forminhas de papel , enrolar os docinhos miúdos, passá-los no granulado, coco ralado, açúcar cristal colorido… Embora o aroma de brigadeiros e... [+]
Tenho a impressão de que quase tudo o que provei pode ser considerado comida de memória. Junto com os cheiros, os sons e os sentimentos, o gosto das coisas também imprime marcas na lembrança das pessoas. Podem ser líricas ou tétricas, felizes ou taciturnas, saborosas ou repugnantes, mas lá estão se você souber procurar com o interesse afiado e o coração descerrado. Por conta do estado de superlotação culinário-afetiva em que se encontra meu sótão, tive imensa dificuldade em escolher uma receita que estivesse à altura... [+]
Uma de minhas características mais marcantes e menos dignas de orgulho é a intrepidez, para usar um eufemismo bonito de teimosia. Na cozinha (mais até do que fora dela), tal propriedade é acentuada pelos ímpetos de bater bolinho e pelas inúmeras – e muitas vezes infrutíferas – tentativas de assar um pão aceitável. Posso imputar um pouco da culpa nos genes, já que a Vó Nair, embora doce e incapaz de ralhar conosco, tinha a cabeça branquinha de uma inflexibilidade... [+]
O Vô Juju, pai do pai, criava uns passarinhos em casa. Manons, bicos-de-lacre, canários-do-reino, curiós, acho. Lembro-me muito bem da lata marrom de pomada que ele passava nas patinhas deles, do anel de marcação que punha com cuidado nos “tornozelos” e da papinha que fazia para dar na boca dos filhotes (ou dos doentes, não sei ao certo). A mesma paciência que tinha com os passarinhos, tinha com a madeira. Eu devia ter uns sete, oito anos quando ele fez aqueles mágicos carrinhos de boneca... [+]
Curto era o período disponível para minhas semiférias e longa era a lista de coisas que pretendia comer e/ou cozinhar entre o Natal e o Ano Novo. Não estive nem perto de completar a lista, entretanto logrei meu intento de bater uns bolinhos. Foram ao todo três, executados ora como espectadora-assistente, ora como batedeira-ouvinte, sempre na companhia de outras mulheres da família, o que acrescenta uma dose extra de amor e aquele sabor de histórias (re)contadas. .*. Tenho uma prima... [+]
Cresci comendo muita banana, de tudo quanto era jeito: pura, amassadinha, com açúcar e canela, na massa de pastel, frita, no bolinho, na cuca, na torta, em sobremesa, com arroz e feijão, no sanduíche, assada, na farofa, na vitamina, cozida, na mamadeira… Hoje me dou conta de que ela participou de minha vida, companheira e sempre disponível desde a mais tenra idade. Faz parte da cultura culinária da família e, para mim, guarda uma associação muito forte com a Vó... [+]