O Monge, o Lusco e o Fusco

Não bastasse a temporada de folhas amarelo-alaranjadas pelas ruas, mixiricas, peras e cogumelos infinitos nos mercados, chegou à minha caixa postal num dia de muito trabalho um pacotinho que me emocionou deveras neste outono madrilenho.

A história remonta à primavera, quando a Debora, mãe de Sathya, me alegrou o coração ao contar que o moço havia libertado sua Dadivosa interior e estava cozinhando para seus colegas monges algumas das receitas que lia por aqui.

O primeiro que vi foi uma foto, linda, desses rapazes vestidos de laranja-mixirica, de sorriso largo e olhos queridos. Depois veio a carta, escrita de próprio punho, verdadeira raridade não só por ser manuscrita e cair numa caixa postal onde habitam folhetos de entrega de comida, publicidade de persianas elétricas, propostas de planos odontológicos, contas telefônicas e extratos bancários.  O mais raro e precioso era o imenso amor que emanava dali. Dizia o Monge Sathya que todos estavam muito agradecidos, “de barriga quentinha“.

Duas páginas caprichadas que me fizeram enrubescer as bochechas e espremer lágrimas contentes. Quis dar um abraço forte e um beijo esmagado em cada um deles, por terem derretido em amor qualquer vestígio de dureza que ainda restasse daquele dia. E fiquei um bom tempo com aquela carta e aquela foto na mão. Melhor dizendo, fiquei um bom tempo ganhando colo daquela carta e daquela foto. Tanto que me distraí e só bem depois vi que havia um folheto e um livro de receitas vegetarianas indianas, cuja autora contava no prefácio que tinha por objetivo compartilhar as comidas de sua família. Um mimo inestimável, um tesouro.

E ontem, enquanto comia uma pera porque não tinha ganas de cozinhar, pouco depois de contar à família um pouco dos meus dias, das folhas das árvores e do clima que faz por essas bandas, de falar pela trocentésima vez da saudade e da vontade de apertar todo mundo, recebo outra dose cavalar e necessária de lucidez e amor em forma de palavras. “Gosto de ver que estás conciliando o árduo trabalho com o lusco-fusco da paisagem de outono”, disse meu pai, o Babbo, por e-mail.

Foi então que liguei lé com cré e percebi que do livro presenteado pelos monges sairá a inspiração para uma comidinha reconfortante que me fará sacudir a poeira das panelas e me transportar para a simplicidade e beleza das coisas, para esse relaxante lusco-fusco da consciência, tal como acontece quando falo com meus amores, vejo as mixiricas, as peras, os cogumelos e as folhas que mudam de cor.



6 comentários em “O Monge, o Lusco e o Fusco

  1. Gabriela

    Olá!

    Acho fantático seu blog, e fico emocianada quando fala de comida com essa paixão!

    Creio que comida e amor andam juntos, por isso sempre cozinho para as pessoas que amo!!

    Beijos!

    Gabi

    Responder
  2. susy pavlov

    Olá querida,

    Voce me faz,gargalhar,sorrir,pensar e viajar através de seus escritos,menina, que dom voce tem para transmitir e retransmitir coisinhas para a gente,parabéns.
    Quanto as suas receitas,claro,vou me repetir,fico me babando por aqui,adoro-as!!!
    Bjs,saúde e paz!!!!

    Responder
  3. Debora Murbach

    Queridíssima Dadivosa: Que coisa boa saber que Satya não se esqueceu de lhe mandar o livreto! Como vc deve ter notado, ele escreve de maneira muito parecida com você: com o coração! Me encho de orgulho e alegria – sou mesmo afortunada pro ter sido presenteada com um filho assim. Não vou nem questionar o Divino sobre meu merecimento, se Ele mandou, eu aceito e sorrio de felicidade! Um grande beijo natalino a você! Mãe Débora

    Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.




Arquivos

Newsletter

Assine para receber no seu e-mail