Quando 2013 for apenas mais um objeto obscuro e obsoleto nas já despencantes prateleiras da memória, quando eu soprar os números entalhados na madeira e alisar a superfície na tentativa de lembrar o que aconteceu naqueles dias, terei ao menos a certeza de que foi um ano bom. Se o retrasado foi metade desassossego e metade gratidão, se o passado foi metade perder e metade encontrar o prumo, o ano que acaba hoje foi metade na cozinha de casa (a nossa-minha e a nossa-sua) e metade fora dela.
Segue a já tradicional retrospectiva…
Ensinei meninas de 8 anos a cozinhar na festa do pijama da Camila. Transformei meu apartamento em diminuto restaurante para cinco comensais. Fiz pão, patê, sopas, pudim de claras, terrine, lula, berinjela, pato, arroz de tudo o que é credo e cor, tapioca, sanduíche de sorvete, farofa de pão, bolo… Isso até agosto. No segundo semestre, fiquei mais fora da cozinha do que gostaria. Só que para mim a cozinha já não tem mais dentro e também não tem mais fora, descobri hoje. É estado de espírito, fluxo de consciência, mantra, transe, meditação, é quando a alma dá um cochilo revigorante. O “estar dentro do lugar que não tem dentro e nem fora” que o poeta escreveu tem outra conotação, eu sei. “Disturbed this Morning”, do Leonard Cohen, fala de querer estar outra vez dentro de outra pessoa. Mas tem tudo a ver, pois a sensação de conter e ser contido pelo outro, a pequena morte, a entrega, a perda da noção de tempo como o conhecemos e aprisionamos, a força estranha de estar ali carrega semelhanças com o que sinto ‘cuando cocino’, vocês bem sabem. 2013 foi um tempo de procurar entender algumas coisas e saber que outras não tem explicação: ou a gente sente, ou não sente. Como isso de cozinha não ter dentro e não ter fora e de preguiça também ser amor. Foi também o ano em que cumpri a intenção de atualizar do Dadivosa com frequência um pouco maior. Foram 29 publicações, mais que o dobro do que rolou no ano anterior. (e daqui a algumas semanas o Dadivosa completa 8 anos, número que para mim tem mais personalidade e significado do que datas redondas, os clássicos 5,10,15… como já disse aqui. Chamei vocês para comemorar comigo, viram? É só contar qual receita você fez, não precisa escrever um tratado. ) Foi o ano em que nunca mais cozinhei sozinha, mesmo quando só para mim, pois agora sei que não tenho mais dentro e não tenho mais fora (lembra daquele outro poeta que diz carregar com ele o seu coração e de carregar você no coração dele?). É isso o amor, é isso o amigo de verdade. E foi por causa do que mais importa, do amor e do amigo, que 2013 leva a estrelinha de ter sido bom. No ano que vem, Leitora e Leitor queridos, desejo que você possa estar no lugar que escolher estar, seja ele a cozinha, o corpo da pessoa desejada, a beira da praia, a ribalta ou debaixo do cobertor. Que você possa fazer suas escolhas e ficar em paz com elas. Que você tenha pelo menos um amigo de verdade. Que você consiga se sentir muitas vezes dentro desse lugar que tem dentro e também não tem fora. Feliz 2014!
<3, Fer.
Que 2014 seja muito, mais um pouco, quase tudo.
Querida Roberta, que seja! Para todas nós <3
Oi Fernanda,
eu também passei a primeira metade de 2013 na cozinha, e seu texto traz de forma poética toda esta descoberta…que transforma…
bjs e um excelente 2014 para nós
Um beijão, Joice! ;***
Ao ler as suas palavras sempre tão bem escolhidas, que produzem em mim um efeito tão inesperado, pelo impacto das suas verdades, dei por mim a ponderar se 2013 tinha sido bom ou só meio bom. Concluí que a metade que passei na cozinha, foi boa sim e eu fiquei me sentindo melhor…Obrigada!
Muito obrigada, Graça. Saber que você passou um tempo gostoso na sua cozinha me deixa bem feliz! um beijão ;***