Posts Tageados em ‘cotidiano’

O Café do Alfaiate

Utensílios afiados, apetrechos para medir, ingredientes que preenchem muitas e coloridas prateleiras, olhos bem treinados, mãos ágeis e ao mesmo tempo cuidadosas, um pouco marcadas por uma espetada aqui e uma queimadura acolá, a obra que toma corpo no calor de muitos graus e uma assinatura inconfundível e despretensiosamente aplicada. Sempre falo que o sapateiro olha pro sapato, expressão que ouvi pela primeira vez em resposta ladina e desconcertante do namorico de uma prima quando ela, baixinho e com as... [+]

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Hoje tive 30 anos a menos

Alguma-coisa-e-25, ou 26, na estação de Canal, na boca da correspondência com a Linha 7. Levava os fones de ouvido bem acomodados e escutava um dos muitos programas de rádio Splendid Table, perfeitos para viagens em transporte público, já que em Madri muitos passageiros generosos deixam seus celulares no último volume, compartilhando com o vagão inteiro os toques e as músicas indecifráveis de seus vistosos aparelhos. O episódio tinha uma entrevista com um Senegalês de voz doce. Ele estava lançando... [+]

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Da Falibilidade que levo dentro

Ando às voltas com essa que tem os braços dados com a Impermanência e me faz lembrar que tudo o que é perfeito e arranjado demais, simétrico e combinando demais, planejado e previsível demais, limpo e plástico demais pode até ter seu valor, mas em dois segundos podem me enfadar tremendamente. Ela ronda minha cozinha e dá as caras na lasca de bolo que se agarrou à forma e não quer sair, no pão que amorenou dum lado só, no... [+]

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O Monge, o Lusco e o Fusco

Não bastasse a temporada de folhas amarelo-alaranjadas pelas ruas, mixiricas, peras e cogumelos infinitos nos mercados, chegou à minha caixa postal num dia de muito trabalho um pacotinho que me emocionou deveras neste outono madrilenho. A história remonta à primavera, quando a Debora, mãe de Sathya, me alegrou o coração ao contar que o moço havia libertado sua Dadivosa interior e estava cozinhando para seus colegas monges algumas das receitas que lia por aqui. O primeiro que vi foi uma... [+]

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Saudade não cozinha feijão

O nome dela era Pilar, o que só descobri na despedida, e tem 74 anos, o que descobri mais ou menos na metade do caminho. Estava na minha frente, cabelos brancos, ralos e curtinhos, casaco bege como o meu, metro e meio, esperando para atravessar a rua, quando desatou a chover uma água fina e gelada. O homem de terno preto fumava entre nós duas, impaciente. Me enchi de coragem e, num ato tremendamente egoísta nesse dia tão estranho,  perguntei... [+]

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93 dias e uma inFoxicação culinária

Pois, três meses e um bocadinho de minha estada em terras espanholas e achei por bem dar uma sacudida na preguiça e reunir aqui um apanhado cronologicamente aleatório (e sentimental-dadivosamente relevante) do que a memória ainda permitir (sem fotos, por enquanto, que a meta do dia é só escrever): Uma leitora muito querida, a Deborah, por e-mail, contou que seu filho de 30 anos, monge, não era muito chegado na cozinha. E que recentemente dividiu com ela, por telefone, que... [+]

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Remédios Locais

Resolvi averiguar a portinha do tio que vende queijos e frios, me parecia simpático. A pequena fila de moradores locais àquela hora era indício de que o lugar era quente. Fiquei de butuca: a primeira senhora levou jamón ibérico, salame e queijo meia-cura. Tudo muito apetitoso, mas um pouco forte para meu paladar estropeado por uma almoço ruim (coisa rara desde que cheguei, conjuminou uma salada com bicho e gosto de inseticida, lasanha com alguma coisa que não descia, sobremesa... [+]

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Las Palabras y las Cosas – Parte I

Aqui se diz picatostes para croûtons. Cojines são almofadas. Almohadas são os travesseiros, mas travesero é travesso. Sábanas são lençóis, bajera pro de baixo, encimera pro de cima. Encimera é também a bancada da cozinha. Torrijas sao como as rabanadas que comemos no Natal, só que aparecem é na Páscoa, rebanada é tão simplesmente uma fatia de pão. Uma fatia igualzinha àquela que minutinhos atrás cortei e fritei em azeite quente pra fazer picatostes. .*. As palavras e as coisas é o... [+]

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Não tá morto quem peleia, tchê

Pois peleando estou com as gôndolas do supermercado (cadê granulado pra brigadeiro? qual será a melhor azeitona? levo ou não levo os pimientos de piquillo?), com o fogão de duas bocas vitrocerâmico (para fazer um almoço para seis), com o forno preguiçoso (não terminou de cozinhar as cebolas nem as batatas do bacalhau, que se escondeu todo no fundo, de vergonha, por supuesto!), com um coentro maldito que se disfarçou de salsinha, todo pimpão no vaso de plástico marrom, com... [+]

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A falibilidade é benigna

Aceitunas

Chef  Norberto Jorge nos recebeu à porta, vestindo calças coloridas, com sua mamá Carmen,  de cabelos de algodão e blush aplicado a rigor. Tão logo chegamos, esquecemos do caminho escuro, da pequena horda de mendigos alcoolizados, da região nada glamourosa onde ficava o restaurante. Provamos um azeite siciliano, que cheirava a tomates verdes e goiaba,  um espanhol que sabia a ervas e um balsâmico cremoso, envelhecido naqueles barris empilhados ali, de fronte à mesa, logo na entrada. As azeitonas postas... [+]

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