Posts Tageados em ‘texto’

Uma espécie assim de melhor amiga

De inquestionável versatilidade, a batata encara inúmeros estilos culinários com elegância, segura as pontas do aprendiz de cozinheiro, salva almoços e jantares, restabelece convalescentes (seja nas sopas e papinhas, seja no truque dos antigos que usavam suas rodelas cruas na testa para curar enxaqueca), conforta o coração partido, dá a maior força em programas atléticos (na rua, na academia, na quadra, no xadrez…),  faz companhia na hora da ressaca, embala o sábado à noite, topa qualquer parada ou, como diz meu Babbo, vai do triângulo... [+]

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Almoço de Natal

Maman antecipou em nove dias o tradicional almoço de Natal. Relembrando a tradição que acontecia todos os anos na casa da sogra que a acolheu como filha, a Vó Nair, reuniu todos os tios, tias, primos, primas, maridos, esposas e os bisnetinhos que a vó não chegou a conhecer. Foi um dia especial que acompanhei de longe, mas cujos detalhes do antes-durante-depois todos fizeram questão de me contar. Maman estava especialmente inspirada nesse dia, até discurso fez! Divido aqui com o Leitor e... [+]

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Um homem inebriante, inesquecível, cheiroso…

Morava numa cidade onde havia, em quase todo bairro, um indiano em cada esquina, indiano servindo para designar desde lojinhas de conveniência que vendiam leite com  prazo de validade vencido, até portinhas quase suspeitas que entregavam fumegantes e aromáticas refeições em embalagens de alumínio, passando pelos movimentados restaurantes de paredes vermelhas com garçons de reluzentes cabelos negros e profundos olhos amendoados. Variados foram os momentos felizes que tiveram o aroma das especiarias indianas como pano de fundo. No indiano da esquina dava um pulo naquelas... [+]

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Pão Dormido de Pijama

Em parte por mania, em parte por ter sentido as restrições da Guerra (ainda que de longe, embora fortemente no coração) Vó Nair nunca foi dada a desperdícios na cozinha, nem grandes arroubos de consumo… A casa era repleta de objetos-que-no-futuro-poderiam-quem-sabe-ter-alguma-serventia. Era um tal de tampinha de pasta de dentes, potes de margarina já sem a tinta do rótulo e amolecidos pelo tempo, latas de conserva que viravam recipientes para cozinhar ovos duros, panelas com remendos nos cabos e até mesmo furadas, feixes... [+]

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Obediência e insubordinação

Inumeráveis são as regras que devemos seguir por toda a vida. Do primeiro choro ao último suspiro, a vida em sociedade nos impinge preceituários mil, seja em nome da boa convivência e da civilidade, seja por motivos vis, seja com boas intenções ou simplesmente “porque assim tem de ser e pronto“. Suspeito que a epifania que experimento na cozinha tenha um quê de subversão de algumas regras, de abrir espaço para o improviso, de repentinamente modificar toda a receita, de testes e investigações,... [+]

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Si Bemol

Babbo toca violão muito bem. Autodidata e eclético até não mais poder, vai de pérolas do cancioneiro popular ao rock inglês, passando pelas melodias francesas dos anos dourados, pela bossa nova e pela Arca de Noé de Vinícius. Embora eu tivesse o disco, preferia as interpretações do Babbo para o pato pateta, o leão-leão-leão-és-o-rei-da-criação… Datam dessa mesma época minhas primeiras experiências na cozinha da vó Dinah e nas performances musicais. Com quatro anos, a vó me deixava brincar com a massa de macarrão e ser... [+]

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Como desfiar um frango

Véspera de aniversário significava um dia inteiro na companhia das tias, avós e tias-avós a preparar a comilança. As tarefas eram distribuídas de acordo com o talento de cada uma: havia as que preferiam os salgados e as que brilhavam na feitura dos doces. E era na praça dos doces que as meninas ajudavam. Nossas mãos pequeninas eram com freqüência recrutadas para separar as teimosas forminhas de papel , enrolar os docinhos miúdos, passá-los no granulado, coco ralado, açúcar cristal colorido… Embora o aroma de brigadeiros e... [+]

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Vão-se os amores, ficam os sabores…

De plena fervura, em banho-maria, fritos em óleo quente, gelados e refrescantes, platônicos, impossíveis, proibidos, cafonas, de vanguarda, testados, consumados, irreproduzíveis, densos, adolescentes, fáceis, previsíveis, de execução difícil, enlatados ou passados na manteiga. Existe um paralelo entre as receitas e os fascínios amorosos, creio eu. Aqui, entenda fascínio amoroso como um grande alguidar de barro onde cabem desde os namoricos da infância até as mais adultas fantasias, dos relacionamentos profundos e duradouros aos encontros de olhar na escadaria do metrô. Como não... [+]

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Sonho de Consumo: Governanta

Cansam-me sobremaneira certas interações do cotidiano doméstico. Contrataria imediatamente um serviço que me entrevistasse uma única vez e desse conta de minhas preferências e necessidades domésticas, desde que eu não precisasse “interagir”. Seria uma espécie de agência de serviços do lar, com um bom acordo de nível de serviço, idoneidade e capricho acima de qualquer suspeita. A comunicação com a Central, quando necessária, poderia ser feita por e-mail, SMS, telefone ou programas de mensagem instantânea e as tarefas ocorreriam no período... [+]

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Da Cozinheira Enamorada

Já ouvi dizer que botar sal demais na comida é sinal de cozinheira apaixonada. Discordo, pois acho que o enamoramento (seja ela por gente, bicho, coisa ou comida) é potencializador de sensibilidade, não combina com comida salgada demais. Há que diga que a paixão embota os sentidos, eu acredito que os aviva e revigora. Um coração poeirento necessita de muito tempero para acordar, ao passo que um amor à flor da pele faz acender na língua o mais ínfimo grânulo da flor do sal. João... [+]

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