Carta para a Tatu

São Paulo, 5 de novembro de 2017.
Tatuzinha,

Acredito no poder de uma refeição compartilhada. Principalmente quando à mesa assuntam três mulheres. E mais ainda quando a de nove anos polvilha a conversa com glitter dourado, a vida das baleias e a importância de tentarmos não consumir coisas carregadas de escravidão, plásticos e venenos.

Acredito também que criar pode ser mais prazeroso do que consumir. Que a comida pode ser mais gostosa quando a gente cozinha. “Estudos apontam” – é a tal “justificação do esforço”.

Há que se espalhar por aí: o pão que a gente prepara, sova, espera crescer e assa, mesmo sem alvéolos de revista gourmet, mesmo com cara de óvni, vai ter beleza interior e gosto de missão cumprida, de olha-eu-consigo, de estou-no-século-vinte-e-um-porém-ainda-carrego-o-dom-atávico-de-usar-o-fogo.

O efeito deve aparecer também quando se costura a própria roupa, né? Dessa prenda, infelizmente, não posso me gabar.

Desde nosso penúltimo encontro, quando esmagamos juntas a Cris Lisbôa, andei fazendo granolas doces e salgadas, repetindo aquela receita de pão da Neide Rigo, inventando saladas com o que há na geladeira, requentando textos que não são meus, costurando palavras, morrendo de calor e excesso de adrenalina nas cabines de interpretação simultânea, traduzindo às toneladas – texto técnico, semitécnico, ultratécnico, científico, financeiro, jurídico, corporativo, tecnológico, literário (beijo para esse último <3).

Traduzir, para o João Guimarães Rosa, é conviver. Cozinhar também é conviver, sabemos bem. Conviver com os ingredientes, as panelas, o fogo, a paciência, o erro, o belo. Sobretudo com o erro, as queimaduras e e os cortes, no meu caso de estabanação crônica; e com o belo, no seu.

No dia seguinte ao nosso almoço participei de uma oficina com Isa Mara Lando, tradutora e escritora que recomenda ler bonitezas, aprender todos os dias e ter um projeto próprio como “vitaminas para a cabeça”. Ela está traduzindo um livro sobre 50 feministas que mudaram o mundo, veja só (Lili vai curtir). Abriu o evento com um daqueles truísmos que a gente devia gritar para o espelho todo dia: “Só não erra quem não faz nada”.

Só não erra quem não faz nada.

Só não erra quem não cozinha.

Só não erra quem não escreve.

Erremos, pois.

Com carinho,

Dadi ;***



4 comentários em “Carta para a Tatu

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